A insustentável clareza de Temer

Apesar da situação lamentável, é certo que o Brasil está reescrevendo sua história. É mais uma oportunidade que temos de mudar o enredo, ainda que nos custe um pouco caro no início, e que o Presidente da República insista em afirmar que a única maneira de recuperar o Brasil é com ele próprio no comando. Essa insustentável clareza de Temer quando diz que o que fez é inofensivo e que só ele pode fazer o país voltar a crescer reafirma uma máxima da velha política: ruim comigo, pior sem mim. Seria Temer, realmente, a única opção?

Ora, as revelações da delação dos irmãos JBS apenas agravam o que vivemos há, pelo menos, três anos: uma terrível crise política. Está péssimo com Temer, sempre pode piorar, mas neste caso, parece difícil, muito difícil. Portanto, não me parece que vivemos uma crise institucional, como a imprensa vem alardeando, mas sim uma gravíssima crise política, moral e ética, em todo o mundo político, incluindo aquele que deveria ser o primeiro a zelar pelo cumprimento da Lei: o Presidente da República.

O que podemos perceber nas gravações é um Temer que ouve uma lista de crimes sendo cometidos e não faz a menor repreensão a seu interlocutor. Aliás, aconselhar que alguém mantenha a “amizade” com Eduardo Cunha, nas condições em que o diálogo se deu, é, no mínimo, estranho, por mais que essa conversa seja considerada inconclusiva. Tem caroço grosso nesse angu!

A situação está insustentável para o Presidente desde o primeiro minuto em que o conteúdo da gravação veio à tona. De cara, a sessão no parlamento foi interrompida. Hoje, o Senado suspendeu a tramitação do texto da reforma trabalhista; alguns ministros estão abandonando o governo; alguns grupos vão às ruas protestar; e o país ouve, perplexo, as gravações em que Temer foi flagrado, a exemplo do que ocorreu com os ex-presidentes Dilma e Lula. O presidente bem poderia ter um rompante de dignidade e de decência e apresentar sua renúncia, como sugeriu FHC num post em rede social. Num cenário desses, será que logrará êxito em sua empreitada de permanecer na cadeira mais importante do país?

Aliás, ô cadeira podre! Primeiro, Lula sentou o traseiro nela por oito anos; depois Dilma, por mais cinco; e por último, Temer, por um ano. O trio foi atingido em cheio pela delação da JBS, muito pior do que a delação da Odebrecht. Sobre Dilma, por enquanto, consta que teria pedido R$30 milhões para a campanha de Fernando Pimentel ao governo de Minas — na forma de caixa 2, claro. Prometem para hoje a liberação de mais um trecho bombástico, desta vez, pegando os petistas, Renan e Serra. Não sabem de nada! Inocentes!

A investigação ainda flagrou Aécio Neves no ato do crime. Para ele, a situação é mais complicada, porque o dinheiro pago foi até rastreado. Ouvi uma entrevista interessante dos jornalistas Ricardo Boechat e Mônica Bérgamo com o advogado do ex-presidente do PSDB. O defensor tentava, de todas as formas, defender o indefensável. A desculpa do empréstimo não cola, porque esta não seria uma maneira muito, digamos, trivial de se emprestar dinheiro. Nas buscas e apreensões realizadas, foram encontrados R$2 milhões. Quem tem tanto dinheiro vivo em casa? Mais um angu encaroçado.

A situação é gravíssima, e o tempo urge. Se Temer renunciar — o que afirmou e reafirmou que não vai fazer — ou tiver o mandato cassado, o Congresso Nacional terá 30 dias para votar, por eleição indireta, em um novo Presidente da República e vice. Algo complicado, quando se tem um parlamento que canta dedicatórias na hora de votar. Por enquanto, temos que nos conformar com isso; é só o que temos. Digo isso, porque devemos obedecer à Carta Magna e, neste caso, não o há o que se discutir sobre eleição direta, a não ser que aprovem uma das duas PECs sobre o tema em tempo recorde.

Enquanto tudo se desenrola, vemos a polarização de parte da nossa sociedade. Depois desse bafafá, há quem bata no peito com orgulho para dizer que votou na Dilma e, por isso, está desculpado das falcatruas do Michel Temer. Ora, quem votou na ex-presidenta, automaticamente, votou no Temer — é esse o sistema —, sendo ele bandido, “golpista” ou qualquer outra coisa.

Só espero, sinceramente, que não tenhamos que experimentar o gosto amargo de um derradeiro golpe, se é que vocês me entendem. Neste momento de completa instabilidade política, tudo é possível.

Bom fim de semana procês!

Foto Beto Barata/ PR