A verdadeira democracia

trumpO mundo sempre fica mexido com a eleição presidencial dos Estados Unidos, mas, desta vez, muitas análises preveem mais, um verdadeiro tsunami. Será mesmo?

Para início de conversa, como bem disse o filósofo Luiz Felipe Pondé, intelectuais, analistas, jornalistas e filósofos há muito tempo não debatem o mundo real: estão restritos a limites ideológicos sem considerar as inúmeras possibilidades da vida como ela é. Basta observar o decorrer da campanha americana: a grande maioria, se não todos os acadêmicos, cientistas políticos e eruditos de nossa era, davam como certa a vitória de Hillary Clinton, simplesmente porque, segundo seu ponto de vista, seria um completo absurdo eleger o magnata Donald Trump. E tais ideias foram amplamente divulgadas em todas as mídias possíveis do planeta Terra — quiçá fora dele (onde certamente vivem esses “formadores de opinião”). A realidade, no entanto, foi diametralmente oposta: Donald Trump foi eleito com larga margem.

Não vamos, nesta crônica, analisar as promessas de campanha e o que Donald Trump como presidente dos EUA — no limite, do mundo — pode acarretar. Há bastante gente muito mais entendida do assunto capaz fazer uma análise apropriada. Contudo, essa eleição provoca algumas reflexões e nos traz preciosos ensinamentos.

A grande lição que o povo dos EUA nos dá é que a democracia prevalece sobre tudo, inclusive sobre o supostamente insuperável poder da mídia, das celebridades e do dinheiro — o povo assumiu suas escolhas e foi às ruas comemorar a vitória de Trump. A segunda lição é que a eleição desbancou o mundo “ideal” e, consequentemente, ilusório, desenhado por intelectuais e propagado pela mídia. Fez prevalecer a realidade, que o vencedor soube explorar e, com isso, alcançar o eleitorado, cansado de tanto mimimi e do politicamente correto. Trump, com seu jeito, digamos, pouco delicado, se aproxima muito mais da realidade e do dia a dia das pessoas do que a “certinha” Hillary. E isso nos leva à terceira lição: o povo americano demonstrou, por meio do voto, que quer mudança, pouco se importando com as ideologias hegemônicas do mundo intelectual. E mudança drástica, pois parece cansado do status quo; sentiu que é a hora de dar aquela chacoalhada no sistema.

As reações ao resultado desta eleição nas redes sociais foram muitas, e a maioria apontava perplexidade e pessimismo com relação ao próximo governo dos EUA. Imaginem que andaram até comparando os norte-americanos com os brasileiros, dizendo que agora não é só brasileiro que não sabe votar; norte-americano também não. A que ponto chega a arrogância humana! Afirmar que alguém ou um povo inteiro não sabe votar é declarar, nas entrelinhas, que existe voto certo e voto errado, e que alguém, ou o povo inteiro, votou errado. Afinal, o que seria votar errado? Nada mais do que escolher em desacordo com a ideia preestabelecida e amplamente divulgada de que “bom” era o derrotado — o voto certo. Isso nos leva a conjecturar que, se o perdedor da eleição tivesse sido eleito, as pessoas teriam votado certo e, portanto, saberiam votar. Ora, isso desqualifica o direito que todos têm de escolher a opção que seja mais representativa de suas ideias, num cenário em que cada um tem seu direito assegurado (no Brasil, é também um dever) e o faz de acordo com sua consciência, com sua realidade.

O fato de ter sido eleito um outsider significa muito, e vejo aí alguma semelhança com o Brasil. O resultado das últimas eleições municipais, notadamente o número de votos brancos, nulos e abstenções, demonstra que nossa gente também sente a necessidade de dar aquela mexida. Contudo, nosso sistema político impede mudanças tão drásticas, pela simples razão de que os candidatos — ou seja, as opções — são escolhidos pelos partidos políticos, de acordo com os critérios que lhes convêm. O resultado é que nossas opções não são nossas, mas das oligarquias partidárias. Difícil, muito difícil mudar, realmente. Nos EUA é diferente: é o povo quem escolhe a opção de cada partido. É, de fato, a vontade da maioria, porque a eleição começa com a escolha do candidato — “as prévias”.

Trump venceu, apesar da mídia, das celebridades, apesar do seu próprio partido, apesar do partido Democrata e da campanha muito mais capitalizada da Sra. Clinton. Isso demonstra algo realmente virtuoso: a vontade do povo prevaleceu e isso é a verdadeira democracia. Se o desempenho do escolhido desagradar à maioria, o povo fará valer sua vontade, novamente, nas próximas eleições.

1 Response

  1. ostiore disse:

    Vania, esse seu texto me pôs a pensar: Trump me ajudou a entender a coisa dessa bolha em que a (as) rede social, grupos virtuais e o Google nos meteu. Excluímos, bloqueamos as pessoas que nos incomodam com idéias diferentes das nossas, para não nos aborrecer. Marcamos “não quero mais ver isto”, porque aquele pensamento, ideia, imagem ou vídeo nos ofende, ou vai contra nossos princípios morais e éticos. Marcamos algumas fotos como boas e a rede social passa a nos mostrar apenas as coisas similares, que o algorítimo dela identificou que gostamos. Nossos gostos e predileções estão mapeados para cunho comercial, e a internet toda passa a exibir apenas aquilo que nos apetece. Se antes já nos agrupávamos naturalmente entre iguais, agora só vemos o nosso pedacinho do mundo no dia-a-dia, achando que esse é o mundo de verdade. Depois ficamos nos perguntando que diabos aconteceu…