Atentado contra a felicidade

singles114aEsta semana, minha colega cronista Daisy Lucas nos trouxe uma reflexão sobre liberdade. Também ousarei falar um pouco sobre o tema, porém com outra abordagem. É que “ser livre”, ainda que tenhamos diversas amarras, parece incomodar.

Aparentemente, esta é a única explicação para a onda de atentados terroristas na França, cada vez mais frequentes, de autoria do “estado” islâmico. Começou com o Charlie Hebdo, depois o tiroteio em pontos de Paris, incluindo o Bataclan, e agora o massacre em Nice, justamente no dia em que se comemorava a queda da Bastilha, um símbolo da liberdade, igualdade e fraternidade, o lema da Revolução Francesa. São os valores da revolução que norteiam a cultura e o sistema de governo ocidental. Atentar contra a França, no dia da queda da Bastilha, portanto, é atentar contra todo o ocidente.

Liberdade, igualdade, fraternidade: três palavras que parecem simples, mas implicam tanta coisa. Parece que foram registradas pela primeira vez dois séculos antes da Revolução Francesa, e a autoria do slogan Liberté, Egalité, Fraternité é atribuída ao humanista Étienne de La Boétie. Em 1791, foi lembrado no discurso de René Louis de Girardin e proposto como lema da República Francesa.

Tais palavras são tidas como direitos dos cidadãos contra a opressão. Ser livre, neste contexto, é estar protegido de acusações e prisões arbitrárias; ser livre é poder fazer tudo o que se quer, desde que não prejudique os outros. Portanto, somos livres para ser. E este é um dos ingredientes primordiais da felicidade.

Os cidadãos sendo todos iguais entre si, tanto nos direitos quanto nos deveres, implica a eliminação de privilégios e de classes dominantes. A felicidade, no contexto da Revolução Francesa e, porque não dizer, na atual cultura do ocidente, é um estado coletivo que advém da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

Tais valores são uma busca incessante, para que possamos melhorar enquanto coletivo humano. Não é fácil alcançá-los; porém, parece que a liberdade é o valor que mais se aproxima da impressão de estar em plenitude. No ocidente, pelo menos; nos países que não são governados por ditaduras.

É possível que com o advento da internet e a consequente globalização da informação, tais ideais estejam alcançando um público diferente. A internet leva às pessoas fatos históricos sob diversos pontos de vista. Leva cultura, literatura, conhecimento. Governos ditatoriais ou ancorados em sistemas religiosos se sustentam pela ignorância do povo e da imposição de valores determinados por uma interpretação estrita de escrituras consideradas sagradas.

Parece que a liberdade de conhecer, de ler, de falar, enfim, de ser e existir, incomoda os lunáticos líderes e membros do “estado” islâmico a ponto de quererem eliminar, ainda que simbolicamente, qualquer coisa que represente a felicidade. Os atentados não são aleatórios, são bem planejados e articulados.

O Charlie Hebdo brinca com as notícias. É um jornal de humor, que traz risadas, piadas. É um símbolo de liberdade e traz felicidade.

Os bares e restaurantes de Paris, com música, comida, bebida, gente contando histórias, rindo, dançando, são locais onde é possível ver a felicidade na simplicidade de um encontro com amigos.

A comemoração da queda da Bastilha é um orgulho francês, porque foi ali o começo dos ideais que norteiam todo o ocidente. É um dia de festa, um dia de felicidade coletiva: o dia de comemorar a liberdade.

Apesar dos atentados, nada vai nos tirar a satisfação de sermos livres, de vermos o outro como um igual, de sermos felizes. O “estado” islâmico pode até provocar a tristeza momentânea, mas a liberdade de que desfrutamos hoje custou muitas vidas e não desistiremos dela. Choramos a morte de cerca de 80 pessoas, os novos mártires da liberdade, da felicidade. Essa dor vai passar, mas não pode e não será esquecida.
Bom fim de semana procês.

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