Bons exemplos

cunhaAté aqueles que parecem que nunca vão largar o osso, uma hora cedem. Eduardo Cunha que o diga. Sua renúncia ao cargo de presidente da Câmara dos Deputados foi muito bem calculada, como, aliás, costuma ser qualquer ato dessa natureza.

Nosso Brasil de pouco mais de 500 anos de História contabiliza algumas renúncias memoráveis.  E todas têm algo em comum: a perda do apoio popular.

A primeira renúncia célebre no Brasil ocorreu em 1831, quando D. Pedro I, pressionado, abdicou do cargo de Imperador em favor de seu filho, D. Pedro II. Diversos setores da sociedade, mas especialmente a imprensa da época e os militares tornaram a permanência de D. Pedro no trono insustentável. Acumular o status de herdeiro da Coroa Portuguesa e de Imperador do Brasil foi uma das razões que fizeram sua popularidade evaporar. Sua primeira abdicação foi em favor de sua filha, Maria da Glória, com o intuito de solucionar essa bizarra situação. Ocorre que a futura rainha brasileira de Portugal ainda era uma criança, de forma que o trono português foi usurpado pelo irmão de D. Pedro I que, claro, saiu a defender a cadeira da filha. A brasileirada não gostou nada disso e a mídia da época trabalhou direitinho para detonar a imagem de nosso primeiro imperador. Para manter o regime monárquico e evitar derramamento de sangue, D, Pedro abdicou em favor do filhinho de cinco anos.

Menos de um século depois, veio a República, como resultado de um golpe militar. O Marechal Deodoro da Fonseca assumiu a presidência, digamos, interina, e quando as eleições ocorreram, em 1891, foi eleito pela Assembleia Constituinte.  Não demorou nove meses no cargo, mas causou: dissolveu o Congresso Nacional e decretou estado de sítio no país. Esse foi o estopim para a Revolta da Armada, que prometia bombardear o Rio de Janeiro, caso Deodoro não renunciasse. Foi a única coisa que o fez ceder.

O suicídio de Getúlio Vargas pode ser interpretado como uma espécie de renúncia. Sua impopularidade crescia em meio a denúncias de corrupção de pessoas próximas a ele. Getúlio encontrou no suicídio uma saída honrosa. Para ele, a renúncia sempre foi inadmissível, considerava um gesto de covardia. Mas o que é o suicídio, senão a renúncia mais radical? Mais do que renunciar, Getúlio virou a mesa do jogo político e evitou, naquele momento, um iminente golpe militar.

Poucos anos depois, um presidente eleito com as graças do povo após uma carreira política meteórica renunciou estando no poder havia somente sete meses. Na carta, Jânio Quadros escreveu que “forças terríveis” se levantavam contra ele. O fato é que, dias antes, ele havia condecorado o Che Guevara, um dos líderes da revolução cubana. Os militares (opa, outra vez) não gostaram nem um pouco disso. Os oficiais do Batalhão de Guarda se amotinaram, e a imprensa e o Congresso Nacional começaram o trabalho de divulgar que Jânio estava levando o Brasil para o comunismo. Pressionado e sem apoio popular, renunciou.

Trinta anos depois, a última renúncia de um presidente: Fernando Collor, que a usou para evitar a cassação de seus direitos políticos. Não adiantou nada, perdeu o timing, já que sua carta-renúncia foi lida minutos antes da votação do impeachment no Congresso Nacional. A popularidade de Collor foi derrubada pelas acusações de corrupção feitas por seu próprio irmão. Impopular e sem o apoio do parlamento, ele não teve outra escolha: renunciou e mesmo assim perdeu os diretos políticos por oito anos.

Finalmente, chegamos a Eduardo Cunha, e é estranho falar de um deputado depois da galeria de ex-presidentes e um imperador. Mas é que a figura de Cunha chega a ser mitológica e ele estava na linha sucessória da Presidência da República, mesmo com sua biografia para lá de suspeita. Percebe-se que não foi uma decisão fácil, mas entre os anéis e os dedos, sua escolha não surpreende.  Muitos são os desdobramentos e as consequências advindas desse ato. Com isso, Eduardo Cunha tenta ganhar tempo e permanecer o quanto for possível em seu cargo de deputado. Sabem como é, manter o foro privilegiado é fundamental. Afinal, não quer encerrar sua carreira em Curitiba, que é para onde todos nós gostaríamos que ele fosse.

Sua renuncia à Presidência da Câmara prova que ele não é onipotente como alguns querem fazer parecer. Nos últimos dias, Eduardo Cunha deve ter feito uma ginástica danada para tentar dar conta de todas as frentes contra ele. Mas, vamos combinar, para a tigrada do PT e aliados, Cunha é o culpado perfeito, é a desculpa ideal para desviar o foco dos evidentes crimes de responsabilidade cometidos pela afastada presidente.

Falando nela, com tantos bons exemplos entre seus antecessores, bem que ela podia pedir para sair, ainda dá tempo. O Congresso atual não é tão probo quanto o de 1992 e, podemos apostar, não cassaria os direitos políticos de Dilma, caso ela renunciasse.

Bom fim de semana procês!

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