Caixa 2: um “simples” crime eleitoral ou há algo cabeludo por trás?

Nos últimos dias, temos observado uma intensa movimentação em vários setores da política, mais intensamente no parlamento, no que concerne à prática conhecida como “caixa 2”. Diversos políticos, e até o Ministro Gilmar Mendes, andam dando um colorido a essa figura tão presente nas campanhas eleitorais. Afinal, o caixa 2 é um “simples” crime eleitoral, como querem nos fazer crer, ou há algo cabeludo por trás?

Certa vez, comparei o caixa 2 de campanha eleitoral à sonegação de impostos. Em que pese o fato de que a sonegação é prejudicial ao país (ou Estado, ou município), o sonegador deixa de declarar e de pagar o imposto devido sobre um dinheiro que é seu, uma grana que ele ralou para ganhar, prestando um serviço, produzindo algo para a sociedade. O caixa 2 dos políticos parece bem pior: o político sonega uma informação sobre um dinheiro que recebeu e que não é dele, não é fruto de seu trabalho (ou é?) e sobre o qual não incide imposto.

Caixa 2 eleitoral é definido como doação eleitoral não declarada. Por definição, nada tem a ver com a prática de corrupção, mas por que motivo não se declararia uma doação? O Ministro Gilmar Mendes, do STF, justifica que a prática pode ser utilizada em situação em que a empresa não queira aparecer para evitar alguma retaliação de outros políticos. Nesse cenário de promiscuidade eleitoral, isso é até possível, mas será que não existe a figura de “doação anônima”? Ademais, a tese de Mendes cai por terra ao vermos que as empresas que doaram legalmente também doaram no formato de caixa 2 para a mesmíssima campanha. Por quê? Certamente a prática beneficia alguém, ou o candidato, ou a empresa, ou ambos.

Por meio do caixa 2 de campanha, uma empresa pode “lavar dinheiro” ou sonegar impostos. Além, é claro, das negociatas que são feitas até com grana declarada.

O dinheiro não contabilizado por candidato atenta contra a democracia na medida em que se omite parte do que se lançou mão durante a campanha. Representa abuso de poder econômico, podendo servir a fins abomináveis, como compra de votos. Não declarar todo o dinheiro recebido, além de atentar contra a democracia, também depõe contra o político que, deliberadamente, cometeu um delito criminal e assassinou a transparência pública. Em nome de quê? Com que objetivo?

Convém lembrar que o caixa 2 é considerado crime eleitoral, dá cadeia, e resulta em cassação de mandato, caso o candidato seja eleito. O artigo 350 do código eleitoral dispõe que:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular”.

Neste sentido, gostaria de perguntar: quem de nós, eleitores, quer ver um criminoso governando ou legislando? Alguém que pode ficar preso por cinco anos? Queremos líderes que têm algo a esconder, que não são transparentes?

Pode-se considerar a prática de caixa 2, portanto, um péssimo antecedente. O Nada Consta de políticos (sonho!) deveria incluir informação sobre o recebimento/ uso de dinheiro não contabilizado em campanha.

O parlamento está se articulando para “anistiar”, ou, como disse o Ministro Gilmar Mendes, para “desmistificar” o caixa 2. Novamente, vemos um grave conflito de interesses: votarão uma lei que perdoará a eles próprios, já que tudo indica que, salvo raríssimas e honrosas exceções, todos os congressistas lançaram mão dessa prática. Até o Cristovam Buarque, que toma café na padaria aqui da quadra e demonstra uma atividade parlamentar razoavelmente séria, tem um codinome na lista da Odebrecht: Reitor (foi reitor da UnB).

Ante os fatos desvendados e fartamente demonstrados pela Operação Lava-Jato até agora, não dá para ser inocente e achar que “tudo bem, o caixa 2 é um deslize, todo mundo faz mesmo, afinal, que mal tem”? A resposta a esta pergunta demanda uma análise caso a caso, mas no atacado podemos apostar: tem algo muito cabeludo por trás.

Bom fim de semana procês!