Entre tropicões e atropelamentos

antonio_palocci_1002O Ministro Lewandowski afirmou esta semana que “a cada 25, 30 anos, no Brasil, nós temos um tropeço na nossa democracia”. Afirmação que deu o que falar, principalmente porque ela foi propagada como se o Ministro dissesse que o impeachment de Dilma, especificamente, havia sido esse tropeço. Não foi isso o que ele disse: sua frase estava inserida num contexto de análise do sistema político brasileiro, não foi sequer mencionado o nome de Dilma, e a finalização de seu discurso foi de esperança na juventude para mudar o quadro geral que ora se apresenta e que é lamentável.

É preciso ter muito cuidado com o que lemos na imprensa, como já comentei em diversos textos desta coluna. A escolha das palavras é algo essencial para qualquer escritor e pode resultar na manipulação da interpretação do leitor. Manipulação. Ao que parece, foi isso o que ocorreu com a fala de Lewandowski.

Verdade seja dita, não dá para a cada 25, 30 anos termos um impeachment no país, ainda que este seja um instituto democrático previsto constitucionalmente. É um remédio amargo demais, que atesta a nossa incapacidade de escolher adequadamente nossos governantes. Concordo com Lewandowski: realmente, é lamentável. Isso, sem comentarmos outros “tropeços”, outras formas de interrupção de governos, como golpes militares que, ao longo de nossa história, nos vitimam de tempos em tempos.

Uma análise fria de todo o quadro, olhando criticamente para o passado recente, indica que o grande tropeço foi eleger, por tantos mandatos seguidos, um mesmo grupo partidário que não tinha planos para o país, mas para si mesmo — manter-se no poder para sempre — e para seus membros, que enriqueceram ilicitamente, como vem sendo fartamente demonstrado nos últimos dois anos. De fato, foi um tropicão daqueles abrir mão da alternância no poder, a cláusula pétrea de qualquer democracia que se preze.

As consequências de nosso tropicão vieram: a ganância de perpetuação no poder para gerar emprego e renda (que renda!) para os correligionários simplesmente atropelou todo o processo político nacional. Os próprios mandachuvas incentivaram a proliferação de partidos políticos, o que resultou no desvirtuamento do presidencialismo de coalisão. Atropelaram a democracia representativa em nome de interesses estranhos à função pública, tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo.

O crescimento econômico e social foi fundamentado no consumo desenfreado, no crédito fácil, sem garantia de pagamento. Os empréstimos consignados a servidores públicos e aposentados foram estimulados e no pagamento, ou seja, no desconto no contracheque, era incluída uma “pequena taxa” que cobria a premente necessidade de arrecadação partidária, com a finalidade de bancar campanhas milionárias que garantiriam a eleição de mais gente que pudesse aparelhar as diversas instâncias e, assim, “coletar” mais e garantir a perpetuação no poder, em todas as esferas. A boa fé do nosso povo foi violentada com difamações, mentiras e falsos resultados de políticas de governo. A nação foi atropelada por um trator descontrolado que destruiu a indústria nacional e tornou o investimento externo proibitivo, colocando em risco o emprego dos cidadãos — já batemos o recorde de 12 milhões de desempregados, ou seja, de famílias que tiveram sua renda drasticamente diminuída.

A cada fase da operação Lava-Jato, levamos um sopapo nas fuças. As cifras da corrupção, da arrecadação partidária, do enriquecimento ilícito e do favorecimento de algumas empresas e empresários somadas chegam a dezenas, talvez centenas de bilhões de reais.

Isso assusta, não é mesmo? E o que significa essa cifra frente aos 25 mil reais legítimos e de procedência lícita encontrados na conta de um caseiro? Sim, a prisão do Antonio Palocci essa semana trouxe à lembrança a história do caseiro de uma casa no Lago Sul utilizada, durante o dia, para transações que não “podiam” ser feitas no gabinete do ministério e, durante a noite, para “festinhas”. Francenildo teve sua vida esmiuçada por apenas dar testemunho do que viu, depôs na CPI dos bingos e sustenta até hoje sua versão. O próprio caseiro afirmou que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Por sorte, nossas instituições estão mudando o dito popular: a corda agora está ruindo no lado mais podre.

Bom fim de semana procês!