Famosos, mas anônimos: os ghostwriters

Jorge Tarquini, o “Raquel Pacheco”, mais conhecido como “Bruna Surfistinha”

Matéria interessante do jornal espanhol El País chama a atenção para os autores dos discursos de autoridades, candidatos ou lideranças políticas. Tais discursos marcam quem os pronuncia e algumas frases ficam para a História, mantendo no anonimato os autores de fato daquelas palavras.

Imaginem que a célebre frase dita por John Kennedy, “não pergunte o que o seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer pelo seu país”, não é de sua autoria. Martin Luther King tampouco escreveu “sonho que meus quatro filhos viverão um dia em uma nação onde serão julgados não pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter”. Frases que ficaram para a posteridade e que são atribuídas às figuras públicas foram escritas, na verdade, por assessores especialmente pagos para isso. Esses escritores que abrem mão de seus direitos autorais sobre os discursos são conhecidos, genericamente, como ghostwriters.

Ghostwriter é profissão antiga. Conta-se que várias encíclicas papais foram escritas por terceiros, que abriram mão da autoria em favor dos sumos-pontífices. No Brasil, é público e notório que o Chalaça era o autor dos discursos de D. Pedro I. Juscelino Kubitschek usava os serviços de Autran Dourado que, humildemente, eternizou a frase “eu era apenas a mão que escrevia”. Essa prática comprova por A + B que, ao contrário do que muitos pensam, escrever é difícil à beça.

Aliás, um excelente nicho para os ghostwriters é a política. As ilustres figuras, com agenda apertada, não têm tempo para escrever tantos discursos, às vezes até mais de um pronunciamento por dia.  A falta de tempo é compreensível. Em outros casos, faltam condições para colocar as ideias no papel. Sabem como é, para ser eleito basta saber assinar o nome. Prova disso é o deputado estadual de Minas Gerais, Pinduca Ferreira, que sequer conseguiu ler o termo de posse, e declarou que tal leitura não interessava. Semianalfabeto, mostrou-se incapaz de ler e, certamente, não tem competência para escrever uma palavra, que dirá um discurso inteiro.

No Brasil, os escritores de discursos mantêm-se no anonimato. Diferente dos Estados Unidos, onde esses profissionais ganham notoriedade. Um colaborador do ex-presidente Barack Obama, por exemplo, é roteirista em Hollywood e não é segredo para ninguém que aquilo que Obama falava nos discursos era obra de Jon Favreau. O autor do fascinante seriado House of Cards foi ghostwriter de ninguém mais, ninguém menos, do que a durona Margareth Thatcher. Conta-se que ela não gostava muito de vários dos escritos de Michael Dobbs.

Esse papo nos inclina a querer saber quem era o responsável pelos memoráveis discursos da ex-presidente Dilma. Sabe-se que há uma equipe de discursos no Planalto. Ocorre que dona Dilma queria seguir os passos de seu criador no que se refere a discursos: o improviso. Mas a coitada não tinha o carisma, a naturalidade e, ao que parece, nem a inteligência emocional de Lula, e se enrolava toda. Com o impeachment, nos privamos daqueles momentos hilários, de saudação à mandioca, de dobrar a meta não estabelecida, entre outros. De qualquer forma, dizem por aí que João Santana escreveu vários discursos para a ex-presidenta e também os de Lula, que quase nunca seguia o script. Já o discurso de “despedida” de Dilma parece ter sido escrito a quatro mãos: por ela e pelo seu advogado-geral-da-união-particular, José Eduardo Cardozo.

Nossa cultura não permite admitir que outro escreveu qualquer coisa em seu lugar e que você apenas leu. É considerando vergonhoso. E, de certa forma, é uma vergonha alguém levar a fama pela arte que outro criou. Contudo, é diferente para discursos políticos, já que os mandachuvas se cercam de assessores por todos os lados e é natural que alguns cuidem dos discursos, enquanto o bambambã cumpre a agenda. No entanto, uma análise mais fria nos leva a inferir que, no caso dos políticos, trata-se de um comportamento mesquinho, pois pelo pouco que sei deste mundo, sempre está rondando um certo receio de que outro se destaque e tome o lugar do figurão. Muitos políticos não se garantem, e fazem de tudo para que ninguém próximo a eles se destaque. Principalmente se este próximo for um subalterno.

Ainda que a Bruna Surfistinha tenha admitido abertamente que contratara o escritor Jorge Tarquini para materializar sua “autobiografia”, a maioria dos ghostwriters permanece invisível. Isso talvez explique o súbito talento literário da cantora Cláudia Leitte, por exemplo, ao ganhar uma soma vultosa da Lei Rouanet para escrever sua notável biografia. Podemos, tranquilamente, desconfiar dos livros “escritos” por “celebridades”, e apostar que foram escritos por outras mãos.

Já no caso dos discursos de políticos, é sempre outra pessoa que os escreve. E então fica mais fácil entender por que os políticos nunca fazem o que prometem: aquelas palavras não são deles; falta-lhes convicção.

Bom fim de semana procês!

Nota da editora: Na foto, Jorge Tarquini, o “Raquel Pacheco”, mais conhecido como “Bruna Surfistinha”.