¡Hasta la vista!

Do jeito que está não podia ficar mesmo. A Venezuela, que destoa completamente dos demais países do Mercosul e não se ajustou aos termos do protocolo de adesão dentro dos prazos determinados, está com as horas contadas como membro do Bloco do Cone Sul com direito a voz e voto.

Em pouco mais de 4 anos, o país adotou apenas 16 dos 57 acordos previstos no protocolo de adesão, sendo que um dos não adotados merece mais destaque: o da promoção e proteção dos direitos humanos. Pelo menos o governo venezuelano não foi tão cínico a ponto de assumir um compromisso que não cumpriria, afinal tudo o que uma ditadura não faz é respeitar direitos, especialmente os de opositores. É notório o comportamento da Venezuela com relação aos direitos humanos: em 2012, o país se desvinculou da Corte Interamericana de Direitos Humanos e tem negado, repetidamente, visto a membros da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

Certa vez, o representante de um dos países do Mercosul me pediu para contatar a Venezuela, porque ele não conseguia. Consegui o contato e transmiti o convite ao representante venezuelano para participar de uma videoconferência, mas quase caí da cadeira quando li a justificativa da ausência: todos daquele ministério estavam envolvidos e trabalhando arduamente na campanha do governo para as eleições legislativas. Na nossa democracia, o uso da máquina pública nas eleições é condenável. Na Venezuela é normal, porque a pessoa me disse isso com a maior naturalidade, como se aqui no Brasil agíssemos da mesma forma.

Também tive oportunidade de ver a Venezuela apresentar projetos muito, mas muito ruins mesmo, tentando abocanhar uma fatia do FOCEM — o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul. Seus projetos previam que o FOCEM deveria financiar países parceiros da Venezuela que não são membros do bloco. Por óbvias razões, foram rechaçados sem dó nem piedade. Os colegas da Argentina até tentaram ajudar, dando instruções de como elaborar um projeto, quais os requisitos necessários, explicando o que era o FOCEM — enfim, foram bem didáticos, mas a Venezuela foi suspensa antes de ter apresentado uma proposta decente.

Em outra ocasião, quando houve avaliação de projetos candidatos a um prêmio (em virtude de a presidência pro tempore estar na Venezuela, o prêmio foi entregue lá), foram premiados apenas venezuelanos e um brasileiro. Tenho cá pra mim que esse brasileiro foi uma espécie de consolo que eles nos deram, já que todo o dinheiro para premiar os vencedores vinha do Brasil: pagamos a conta deles e recebemos um troco.

Isso, sem falar no jeito esquizofrênico com que o país entrou no bloco, aproveitando a suspensão do Paraguai, único com um parlamento lúcido o suficiente para votar contra. Empurraram a Venezuela pela goela do Paraguai abaixo, e a este país restou, no final de 2013, a única opção de aprovar a entrada, já consumada durante sua ausência.

A experiência de cooperação no Mercosul é interessante, um aprendizado valioso. Conhecemos culturas, histórias e comidas diferentes e convivemos com a diversidade de visões sobre um mesmo tema. O plus é justamente a troca: também passamos nossos valores e nossa cultura aos parceiros.

Contudo, do ponto de vista prático, confesso que tenho minhas dúvidas. A convergência de ideologia entre os atuais governos da Argentina e do Brasil traz novas perspectivas e a possibilidade de mudança, a necessária revisão após tantos anos de cooperação. A suspensão da Venezuela, por exemplo, seria impensável em outra situação, com outros governos.

De qualquer forma, a passagem desse país pelo Mercosul não fez a menor diferença para seu povo: a recessão continua e parece piorar a cada dia, alimentos e outros artigos básicos continuam faltando, os direitos humanos permanecem desrespeitados.

Ao povo da Venezuela, sempre, a nossa solidariedade. Que possamos voltar a nos reunir em breve, com mais liberdade.

Bom fim de semana procês!

 

1 Response

  1. A Venezuela nunca foi ligada ao Brasil. Em nada. Os povos são afastados e as relações comerciais praticamente não existem. Não faz sentido pertencer ao Mercosul, esta é a verdade, agravado o fato de ser conduzida politicamente de forma equivocada.
    Boa postagem Vânia. Abraço.