Meia dúzia de gatos pingados

onu-discurso-temerEm sua estreia na ONU na qualidade de Chefe de Estado, Temer até se saiu bem. Com um discurso sólido, apontando as principais questões globais, o presidente destacou o princípio constitucional da integração latino-americana e reafirmou a vocação brasileira ante o mundo: amizade e respeito.

No entanto, meia dúzia de gatos pingados não quiseram nem ouvir o Presidente do Brasil, parceiro de chapa de Dilma e, portanto, eleito com o mesmíssimo número de votos. Os representantes de ditaduras latino-americanas — Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua — e o presidente da Costa Rica se ausentaram no momento do discurso do brasileiro.

Michel Temer, como qualquer político, está longe de ser uma unanimidade. No entanto, o gesto desses países foi excelente para o Brasil, cuja imagem assim se desvincula dos bolivarianos — uma imagem totalitária e de desrespeito aos direitos humanos, o que, certamente, não passou em branco para os diplomatas do resto do mundo.

Cuba dispensa maiores explicações: após mais de meio século de ditadura, a fuga de diversos cidadãos cubanos ao longo desse período fala por si. A Venezuela é uma indisfarçável ditadura travestida de democracia, na qual instrumentalizaram os mecanismos democráticos em favor de um regime totalitário. A Bolívia disfarça um pouco mais suas características autoritárias, mas vamos nos lembrar do episódio do senador boliviano que, perseguido politicamente, pediu asilo na Embaixada Brasileira e fugiu de seu país pela mão de nossos diplomatas. O Equador, segundo a cientista política e historiadora brasileira Manuela Picq Lavinas, vive uma ditadura: prisões arbitrárias, violência policial em manifestações de minorias, enfim, bastou que ela estivesse em uma manifestação para ser presa e, ato contínuo, deportada. Na Nicarágua, Daniel Ortega, o presidente, impôs um regime político de partido único por meio de um golpe parlamentar, concentrando o poder em torno de si. A Costa Rica é o ponto fora da curva, considerando-se sua proximidade com os Estados Unidos e seu regime totalmente democrático. Talvez tenha caído na conversa do “golpe”.

Os colegas do Brasil no Mercosul permaneceram no plenário durante o discurso, por óbvias razões. O Paraguai foi o primeiro país do bloco a dar um basta aos adoradores do chavismo, com o impeachment de Fernando Lugo — esta foi a desculpa para o eixo Dilma-Cristina-Mujica suspenderem o Paraguai do Mercosul, a fim de incluir a Venezuela na panelinha, pois o parlamento paraguaio era o único que se negava a ratificar a entrada do país caribenho. A Argentina demorou um pouco, mas conseguiu descontinuar a dinastia Kirchner. Inclusive, também estão cavoucando os esquemas corruptos dos governos de Nestor e Cristina. O Uruguai é um país cuja economia é muito dependente do Brasil e da Argentina. Seu presidente, chavista, foi o único que reconheceu a presidência pro tempore da Venezuela, mas cedeu recentemente. O Brasil também teve que lançar mão do impeachment, o único jeito de nos livrar o mais rapidamente possível da desastrosa administração petista. Paralelamente, a Operação Lava-Jato vai desvendando o modus operandi da propinocracia.

A verdade é que a meia dúzia de gatos pingados ausentes precisa muito mais do Brasil do que o Brasil precisa deles. Essa atitude combativa não os ajuda, porque a Bolívia, por exemplo, deseja rever os contratos de venda de gás natural para o Brasil, praticamente seu único parceiro comercial. Já o Brasil, com a diversificação de seus fornecedores de gás, tem mais poder de barganha. É esta a razão de a Bolívia ter adotado um discurso cauteloso em relação ao impeachment: ela precisa vender seu gás ao Brasil.

Enfim, em seu début como Chefe de Estado na Assembleia Geral das Nações Unidas, Michel Temer não fez feio, e saiu de Nova Iorque, pode-se dizer, com o reconhecimento das nações do mundo.

Sua fala escorreita e articulada nada tem a ver com as palavras desprovidas de sequência lógica ou até de sentido, proferidas por sua antecessora. Foi um alívio para nós e, quiçá, para o resto do mundo.

Bom fim de semana procês!