Ó, lesta liberdade!

Gilmar Mendes

A eminência parda petista agora está livre. Temporariamente, esperamos. José Dirceu teve seu pedido de habeas corpus atendido pela Segunda Turma do STF, por 3 votos a 2, seguindo a jurisprudência. No prazo de uma semana, a dita Turma soltou quatro presos provisórios da Lava-Jato. Ó, lesta liberdade!

Ok, a maioria de nós, incluindo a autora deste texto, não entende patavinas de Direito. No entanto, isso não nos impede de analisar e até opinar sobre a corrupção brasileira, principalmente se levarmos em conta que Direito é uma questão de interpretação. O placar da votação demonstra isso: a interpretação de dois ministros foi diferente dos outros três. Friamente falando, nenhum dos cinco está errado em seu parecer, e ante as duas possibilidades de decisão, a opinião majoritária foi pela soltura.

Nenhum dos cinco ministros errou em sua interpretação. Uma coisa é cometer um erro, e, ao que parece, não foi o caso; outra é traduzir a lei à luz dos fatos, o que todos os cinco supremos juízes fizeram; e uma terceira é interpretar à luz dos fatos, com um olhar sobre a moralidade da decisão que se toma, fazendo uma análise do quadro completo. Pela letra fria da Lei, não é errado soltar José Dirceu —  os três pareceres demonstram isso à exaustão. Mas é esta uma decisão moralmente adequada? Que recado o STF passa à população ao soltar um condenado reincidente, que zombou do tribunal que o julgou? Um péssimo recado, cá pra nós.

Naturalmente, o Poder Judiciário não é o guardião moral do país, como li certa vez. Todavia, dado o protagonismo que exerce no âmbito da Lava-Jato, era de se esperar uma postura mais severa do STF, por uma simples razão: o que está em julgamento, na prática, é a corrupção no país, e José Dirceu é um dos principais símbolos desse crime perverso. Desprezar este fato e não enxergar além do que está escrito, como fez a maioria dos integrantes Segunda Turma do STF em sua decisão, é quase como dar um aval para práticas corruptas.  E, francamente, nos faz perder toda a esperança de que o Brasil possa melhorar um dia. Uma mensagem implícita que os juízes passaram com esta decisão foi que o crime compensa: afinal, o sujeito é rico e pode tudo, ou quase tudo.

Ante as críticas que vem recebendo, principalmente do STF, o juiz Sergio Moro foi bastante claro ao afirmar o efeito direto das prisões preventivas: “Cumpre reiterar que atualmente há somente sete presos provisórios sem julgamento, e que a medida, embora drástica, foi essencial para interromper a carreira criminosa de Paulo Roberto Costa, Renato de Souza Duque, Alberto Youssef e Fernando Soares, entre outros, além de interromper, espera-se que em definitivo, a atividade do cartel das empreiteiras e o pagamento sistemático de propinas pelas maiores empreiteiras do Brasil a agentes públicos, incluindo o desmantelamento do Departamento de Propinas de uma delas”. Assim, manter José Dirceu preso implicaria, pelo menos, num período maior em que ele não cometeria os crimes a que está habituado. Seu currículo é bem conhecido, não deixa muita dúvida quanto à sua liderança no esquema.

Por outro lado, os detidos preventivamente que não cometeram crime do colarinho branco (e, portanto, não são ricos) não têm condições pagar um advogado de primeira para ter seu pleito julgado pelas instâncias superiores. Somam 221 mil cidadãos, muitos dos quais vivendo há anos em condições sub-humanas nas penitenciárias do país. Involuntariamente, o STF reforça que no Brasil nem todos são iguais perante a lei: quem tem mais grana consegue decisões com maior agilidade. Já o pobre fica à mercê de um sistema mais preocupado em manter seus privilégios do que em exercer com celeridade e competência a função a que se destina.

A cereja no bolo desse cenário desalentador foi a pedida de Dirceu para seu primeiro jantar em liberdade: uma pizza.  Simbólico, não?

Bom fim de semana procês.

(Foto sem crédito)

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