O poder como ele é

Experimentei a mão pesada do poderzinho pífio. Dia desses, esqueci o crachá e apresentei, em seu lugar, minha identidade funcional, com as armas nacionais, faixinha verde e amarela e tudo. Fui tratada como uma estranha por pessoas por quem passo todos os dias, devidamente encrachatada, e às quais sempre cumprimentei. Fizeram algumas exigências para me permitir adentrar o local onde trabalho bem ao lado deles — essa é uma maneira que os vigilantes têm de exercer algum poder, além do corredor polonês que fazem à porta e que atravessamos todo santo dia. Atuar contra vândalos, por exemplo, é algo que não fazem, visto que o prédio já foi até pichado. Aliás, quem quiser entra armado com facilidade, desde que cumpra as exigências de identificação.

Pensando um pouco mais, o comportamento desses vigilantes nada mais é do que a necessidade de exercer sua minúscula autoridade ou de se fazer importante num ambiente em que, geralmente, são ignorados. Mas isso é café pequeno perto dos abusos de poder de quem realmente o detém.

A greve dos policiais militares e bombeiros do Espírito Santo, por exemplo. Esposas dos distintos agentes de segurança simplesmente se posicionaram em frente aos quartéis, “impedindo” a saída dos policiais à rua. A bandidagem tomou conta da capital do Estado e região metropolitana. O poder das mulheres e dos PMs é exercido espalhando a insegurança, o medo, o pavor, e permitindo o avanço da criminalidade, o que provocou o caos: sem ônibus, sem escolas, comércio fechado. E quem precisar de um remédio, como fica, sem farmácias abertas? Na capital já falta comida. Com seu poder de zelar pela ordem e segurança, a PMES parou o Estado, provocando a morte de mais de 100 pessoas, a destruição de várias lojas, impedindo o início das atividades escolares. Enfim, aterrorizaram o Estado inteiro. Ter esse poder nas mãos e usá-lo para o mal da população é pura e simples vilania. Deveria ser crime hediondo, pois solapa o Estado de Direito.

Subindo um pouco mais a escala, vemos novamente o emprego do poder para fazer valer interesses pessoais ou de um grupo restrito. E os desmandos ocorrem em todas as esferas, como vem sendo amplamente demonstrado pela Operação Lava-Jato. Ao receber presentinhos especiais, parlamentares garantiram vantagens a diversas empresas, em detrimento do decoro, do bem comum e da saúde financeira do Estado brasileiro. Leis, medidas provisórias, decretos, enfim, inúmeras regulamentações foram postas em vigor por gente que exerce seu poder sobre nossas vidas, sem a menor consideração. Logo nós, cidadãos, que periodicamente vamos felizes às urnas acreditando em gestos de cidadania. Apresentamos nossos “crachás”, sorrimos, cumprimos nossa obrigação e, na primeira oportunidade, somos tratados como nada por aqueles que devem seus cargos a nós.

Isso sem falar no nepotismo, o poder compartilhado em família, como se vivêssemos numa monarquia, com déspotas no comando.  A primeira providência de diversos prefeitos recém-empossados foi nomear seus parentes para cargos públicos. As justificativas apresentadas são impagáveis: o prefeito de uma cidade do agreste paraibano nomeou a mulher, três irmãos, um tio e dois primos, porque é seu nome que está em jogo e, por isso, em sua administração, é imprescindível pessoas de sua inteira confiança. São vários casos, mas o mais recente foi o ato do prefeito do Rio de Janeiro, que se encontra em situação de penúria, nomear seu competente filhote para a Casa Civil. O STF concedeu liminar para suspender a nomeação do Crivella-filho. O pai, ante a notícia, disse confiar na Justiça.

As últimas do atual governo federal, então, são de amargar. Como comentado em outra ocasião, não daria para esperar algo muito diferente do vice de Dilma. Ocorre que Michel Temer a supera, e se supera a cada dia. Criou mais três ministérios, e em um deles colocou um dos citados na Lava-Jato. Embora o governo alegue que isso nada tem a ver com dar foro privilegiado a alguém que esteja na mira de Sérgio Moro, fica parecendo que este é o motivo. É como se diz, mulher de César também tem que parecer honesta. Neste caso, “parecer honesta” significa evitar a nomeação de quem possa ter privilégios com a justiça em função do cargo, ou seja, se abster de nomear quem tenha sido lembrado em uma delação premiada. O poder, aqui, foi usado para beneficiar um amigo, já antevendo um futuro obscuro para ele. Conhecemos essa estratégia de outros carnavais e, uma vez mais, fomos solenemente desprezados.

Hoje mesmo o STF bate o martelo quanto à nomeação do Moreira Franco como Ministro de Estado. Vejamos o que vai acontecer, e se pelo menos na Corte Suprema seremos devidamente tratados como sua Excelência, o povo, como discursou a Presidente do Tribunal.

E assim vamos vivendo e convivendo com essas gentes que usam o poder, desde o mais pífio ao mais significativo, simplesmente para exercer supremacia sobre os demais e se beneficiar. É por essas e outras que o Brasil está longe de ser um país desenvolvido.

Bom fim de semana procês.

Foto Dayana Souza/ Estadão