O túnel dos desesperados e o fim do foro privilegiado

Esta semana começou, sem hora para acabar, o julgamento do STF para restringir o foro privilegiado de políticos e de outros ocupantes de cargos públicos considerados de alta relevância. O Ministro Luís Roberto Barroso enviou um processo que visa interpretar o instituto e seu uso, à luz da Constituição — uma reflexão necessária, tendo em vista que o foro privilegiado é a única saída para aqueles que se encontram no túnel dos desesperados da Lava-Jato.

Graças à decisão do velhinho Osmar Serraglio de retomar seu mandato de Deputado Federal, Rodrigo Rocha Loures poderá ser preso, caso o Ministro Fachin aceite o pedido da PGR. Sem foro privilegiado, o argumento do Ministro ao negar a prisão de Rodrigo (e a de Aécio Neves), perde o objeto, a razão de ser. Assim, esperamos ver Loures atrás das grades nas próximas horas, preferencialmente, na gelada Curitiba.

No Senado, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar deverá ser instalado na próxima terça-feira, e já tem a primeira missão: analisar e deliberar sobre o pleito da Rede e do PSOL, que pedem a cassação do Senador Aécio Neves. Se for cassado, perde o foro e, certamente, Rodrigo Janot já está com o pedido de prisão prontinho.

A dúvida é: e se tudo virar pizza no Senado? A chance parece grande, já que alguns veículos de comunicação garantem que Aécio influenciou na composição do tal conselho.

De qualquer forma, a discussão pelo STF é imprescindível. O problema todo é que os esfomeados tubarões, boa parte deles dentro do túnel dos desesperados da lista de Fachin, têm um plano maquiavélico para não mexer uma vírgula no que está em vigor.

Vamos ao checklist:
– Aprovação, pelo Senado Federal, da PEC 10/2013, que reduz o foro privilegiado (quarta-feira, 31 de maio);
– Envio da PEC 10/2013 para a Câmara dos Deputados (quinta-feira, 01 de junho); e
– Interrupção da votação sobre restrição de foro no STF (quinta-feira, 01 de junho).

A votação em dois turnos também na Câmara, requerendo 2/3 dos votos para ser aprovada, não tem data para acontecer. Ao que parece, a ideia é mesmo não decidir, ou decidir rapidamente, antes de o STF deliberar — outra situação sem data para ser concluída, pois o Ministro Alexandre de Moraes pediu vistas do processo.

O debate desse tema no STF está interessantíssimo, e os argumentos dos excelsos juízes são esclarecedores. A Ministra Rosa Weber, por exemplo, assinalou que o instituto “só encontra razão de ser para a dignidade do cargo, e não para a pessoa que o titulariza”. O que vemos atualmente é o completo desvirtuamento desse instituto, que está sendo utilizado de maneira vil para proteger bandidos e corruptos. Ora, é do imperativo interesse dos desesperados no túnel da Lava-Jato manter (ou adquirir) o direito de serem julgados somente pelo STF, pois o procedimento desse Tribunal é lento o suficiente para que os processos prescrevam. Paulo Maluf que o diga.

Neste sentido, o Ministro Barroso afirma que o sistema é ruim e traz impunidade. O Ministro Alexandre de Moraes — que pediu vistas e, portanto, foi o responsável pela interrupção do julgamento —, afirma que a impunidade no Brasil foi historicamente construída. De fato, não é o foro privilegiado o responsável pela impunidade, cultivada ao longo de séculos, mas é inegável que constitui um agente ativo, que a promove e reforça o sentimento de desigualdade entre os cidadãos eleitos e os não eleitos, entre os figurões e os reles mortais. Da maneira como vem sendo usado, o instituto é definido pelo cargo, não importa quando o delito tenha sido cometido, e é exatamente disso que trata o pleito do Ministro Barroso e que Alexandre de Moraes “ainda não entendeu”. O pedido de vistas, uma manjada estratégia de protelação de decisões, dá tempo ao Congresso Nacional para ter a palavra final sobre o tema.

Há quem diga que o Supremo está se sobrepondo à função do Congresso nessa discussão. Contudo, a função do STF é justamente interpretar a Carta Magna. A proposta do Ministro Barroso não pretende dar nova redação à Constituição, mas sim, uma interpretação mais coerente com a razão de ser do foro privilegiado e, dessa forma, garantir alguma lógica na aplicação dos princípios constitucionais. Não faz o menor sentido um assassino ser julgado pelo STF só porque é deputado, por exemplo. O delito cometido nada tem a ver com a função pública. Mas deveria, num ponto: o ideal é que criminosos não pudessem ser eleitos, nem sequer se candidatar a qualquer cargo público, ou que perdessem o mandato ou o cargo caso fosse comprovada a autoria do crime.

Por que regrinhas básicas de honestidade e de bons antecedentes são solenemente desprezadas nas leis e na composição dos Poderes Legislativo e Executivo, principalmente? A resposta é simples: os privilégios precisam ser mantidos, e aqueles que os detêm são justamente os que fazem as leis, ou que ocupam cargos por indicação política. É um jeito legal de promover a desigualdade entre os cidadãos.

Bom fim de semana procês!

Foto Daniel Ferreira/ Metrópoles (Posse da ministra Cármen Lúcia em 2016)