Razão versus paixão… na educação

cristovam22dezembro2014-edilson-rodrigues-agencia-senadoSou bióloga, com licenciatura plena em biologia e curta em matemática, o que significa que estou habilitada a lecionar ciências e biologia nos ensinos fundamental e médio e matemática no ensino fundamental. Quando ainda era estudante do segundo semestre de Biologia, ante a falta de professores, fui contratada temporariamente para uma escola estadual de Minas Gerais, o que significa que sequer tinha licenciatura curta.

À época desse contrato, eu era a professora de ciências com mais formação, no turno matutino da escola. A outra professora de ciências era formada no antigo Magistério (ou seja, tinha o ensino médio profissional e estava habilitada para dar aulas até o que hoje seria o 5º ano) e no ano letivo anterior tinha sido professora de português na mesma escola, no mesmo turno. Numa bela manhã, essa professora me procurou para tirar dúvidas, e se explicou: “É que os alunos têm muita curiosiedade”. Socorro!

Estou contando esse fato porque a reforma do ensino médio tem sido discutida apaixonadamente. É urgente uma reforma total na educação. E essa reforma, pensando friamente, deve se basear em perguntas, tais como: onde queremos ver o Brasil daqui a 10 anos? E daqui a 20 anos? Como queremos que o Brasil seja visto no mundo? Do que o país necessita para se tornar desenvolvido, ou, pelo menos, avançar do patamar de emergente?

Creio que qualquer cidadão de bem deseja viver num Brasil mais igualitário, mais desenvolvido. E que o mundo nos veja como atores importantes, não apenas como um celeiro e consumidores ávidos, que é como nos veem hoje. Não alcançaremos esse resultado no curto prazo, porque levará tempo até lá. É preciso mudar a cultura do brasileiro acerca do ensino, e isso é muito difícil, haja vista as manifestações acerca da MP 746, em discussão no Senado Federal. Somente o Senador Cristovam Buarque tem falado racional e abertamente sobre as enormes vantagens desta MP. E, convenhamos, no nosso Senado, não há ninguém mais apto a uma análise aprofundada, já que ele foi reitor da UnB e Ministro da Educação.

Aumentar a carga horária total de 800 para 1400 horas é um avanço importantíssimo. Passar o dia inteiro na escola obriga que esta seja capaz de oferecer atividades que interessem aos alunos, como esportes, discussões políticas, sociais, aulas de teatro, pintura, escultura, música. O tempo precisará ser ocupado e isso poderá ser feito com a oferta de atividades curriculares ou extracurriculares. Disciplinas como educação física, artes, filosofia e sociologia não são obrigatórias, mas da maneira como a discussão está sendo levada, parece que a MP proíbe a oferta de tais disciplinas. Repito: para ocupar 1400 horas, são necessárias atividades mais interessantes do que as aulas convencionais.

No currículo, o aluno poderá optar por disciplinas de sua preferência. Ora, um adolescente de 15, 16 anos está perfeitamente apto a saber que curte muito mais física do que geografia, por exemplo. Assim, seu currículo no ensino médio poderá ter ênfase nas disciplinas que mais lhe interessem, sem prejuízo de uma base nas demais disciplinas. Digo isso porque o texto da MP, a todo momento, menciona a Base Nacional Comum Curricular, que é o currículo mínimo para todos os alunos.

Um avanço enorme é a possibilidade de o aluno optar pelo ensino técnico profissionalizante. Isso é fundamental, porque nem todo mundo precisa cursar o ensino superior para se profissionalizar. Outra novidade é que as disciplinas cursadas no ensino técnico podem ter seus créditos aproveitados no superior.

Outro avanço inquestionável é a possibilidade de profissionais não licenciados, mas com notório saber, serem professores. Incrementar o ensino com profissionais das áreas de engenharia, enfermagem, farmácia, por exemplo, pode ser a tábua de salvação, e evitar que pessoas completamente despreparadas respondam à curiosiedade dos alunos. Ter ensino superior em áreas afins é quesito básico para o notório saber; lógico, não estamos falando de prêmios Nobel.

Mais uma vez é preciso ressaltar a urgência dessa reforma e, por isso, a necessidade de que ela tenha vindo por meio de uma MP. Vemos críticas apaixonadas, quase nenhuma análise do quadro geral da educação. Naturalmente, essa MP não resolverá todos os problemas — as notas do ENEM mostram que são muitos — mas há que começar. Antes de sair gritando e criticando, seria bom ler a proposta com cuidado, comparando com o que era antes, que, como sabemos, não tem dado muito certo.

Não estou aqui fazendo uma análise aprofundada porque não tenho cacife para isso, mas proponho um olhar mais crítico tanto para a realidade do ensino médio — expressa nas estatísticas do ENEM divulgadas esta semana, além dos números de evasão escolar — quanto para a proposta do governo que, por sinal, não foi elaborada em um dia e já vinha sendo construída por profissionais da área de educação desde o governo Dilma. Um pouco mais de razão, por favor, e menos, bem menos paixão.

Bom fim de semana procês!