Receitas para uma vida saudável e longeva

Uma das polêmicas da semana — qualquer assunto hoje em dia vira polêmica — foi levantada pela chef Rita Lobo, que declarou sem delongas que “medicalizar a alimentação é distúrbio. Coma comida, não coma nutrientes. Coma variado e os nutrientes estão garantidos. Exclua os ultraprocessados”. Rita nos deu aí uma receita para viver muito e bem. Mas, infelizmente, o que observamos é que o ato simples e inato de comer está tomando ares de medicação.

Penso que isso está acontecendo devido a tanta modinha de comidas e dietas que vemos por aí. Todos os patrocinadores das dietas da moda que surgiram ao longo dos últimos 30 anos (que eu me lembre) garantem que foram elaboradas a partir de estudos científicos que provaram sua eficácia. Sei… Estudos como o que foi publicado recentemente na revista Science Translational Medicine, intitulado “Dieta com jejum de cinco dias poderia combater doença e  retardar o envelhecimento” (tradução livre).

A pesquisa clínica foi conduzida com voluntários, sendo 71 deles submetidos à dieta proposta e o outro grupo como controle, sem alterações na dieta. Durante cinco dias da semana, o grupo-teste podia comer à vontade, seguindo a dieta normal, de cerca de 2 mil calorias, mas, em dois dias, comiam uma dieta restrita, de 700 a 1100 calorias, que era fornecida por uma empresa que “fabricava” a comida. O cardápio era composto de chips, barras de energia e sopas. Cá pra nós, isso não seria comida medicalizada?

Segundo o relatório da pesquisa, o grupo da dieta reduzida emagreceu 2,6 kg em 3 meses, enquanto o controle não teve alteração no peso. Além disso, os pesquisadores verificaram a diminuição de alguns fatores relacionados ao envelhecimento.

O estudo durou apenas 3 meses, mas será que a longo prazo os resultados seriam tão ou mais animadores? O cérebro se acostuma aos estímulos, e talvez a repetição do mesmo procedimento a longo prazo deixasse de surtir efeito. É por isso, por exemplo, que periodicamente somos obrigados a mudar nossa série exercícios na academia. Aliás, este estudo não considerou atividades físicas como um fator que contribui para uma vida mais saudável, e que previne as mesmas doenças que o tal jejum.  Inclusive, no artigo, a certa altura, o pesquisador que conduziu o estudo afirma que “a dieta ‘ameaça’ o envelhecimento, o mais importante fator de risco para assassinos como a diabetes e doença cardiovascular” — palavras escolhidas a dedo, que seduzem os desavisados e podem ser consideradas indícios de impostura científica.

Como contraponto ao exagerado artigo, li, no mesmo dia, uma matéria no jornal espanhol El País, que descreve uma pesquisa com japoneses centenários. Para quem não sabe, a população mais longeva do mundo é a nipônica, que tem simplesmente 65.000 cidadãos com mais de 100 anos de idade, e com qualidade de vida.

O primeiro fator a que se atribui a longevidade é a comida, considerada leve e saudável. Importante notar que a alimentação dos japas é rica em carboidratos e proteínas e pobre em gorduras. Um japonês consome, por ano, mais de 50 kg de peixe. E o mais importante, a cultura japonesa preza comer devagar, mastigar bem o alimento, fazer três refeições ao dia e sem encher a barriga. Além da comida, a prática de exercícios físicos, exercitar o cérebro, trabalhar (a maioria dos centenários entrevistados trabalhou até os 90 anos), praticar atividades ao ar livre, ao sol, entre outros, são fatores essenciais para ultrapassar os 100 anos com saúde.

Confrontando os dois estudos, não é difícil concluir que retardar o envelhecimento e doenças a ele associadas não pode resultar apenas de uma atividade alterada (no caso, a alimentação alternada com jejum). Os japoneses nos mostram que a longevidade com qualidade de vida é, sobretudo, resultado de uma cultura que privilegia a tradição. Nada de modinhas, nada de comida processada.

Quem leu o livro O dilema do onívoro, de Michael Pollan, certamente viu que uma das regrinhas para uma alimentação saudável é: não coma nada que sua avó não reconheça como alimento. Rita Lobo está certíssima.

Bom fim de semana procês!