Sociedade brasileira: insensatez e falta de noção

A crise que vivemos vai além da política e da economia. É, sobretudo, moral e ética, e atinge toda a sociedade. Um exemplo claro foi o que presenciei em uma reunião: quando a lista de presença havia passado por todos e chegou novamente a mim, notei que alguém havia escrito “#foratemer” bem acima das armas nacionais. Insensatez e total falta de noção de um indivíduo que, mesmo temporariamente, está em um ambiente de Estado.

O assunto da reunião era um programa que completa 30 anos sem solução de continuidade. Portanto, antes de Temer, já passaram Sarney, Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Os governos vão, os servidores permanecem, assim como as políticas e os programas robustos. Como alguém pôde relacionar Michel Temer com um programa que atravessa governos desde a redemocratização?

E assim vemos como está nossa sociedade: completamente cega pela disputa política, doente, demente. Respeito e decoro estão acumulando teia de aranha, esquecidos em algum canto escuro do passado. Se uma pessoa, convidada para uma reunião de um programa de Estado, se sente impelida a “registrar” seu mantra, não podemos esperar nada diferente do que houve no último dia 24 de maio. Vale tudo para impor as palavras de ordem, incluindo local e público inadequado.

Impor: verbo que não combina com democracia.

Essa situação amedronta. O “#foratemer” em uma lista de presença é até suave, se comparado a algumas pichações que vemos em Brasília, tais como “Morte a Temer” e “Pelo poder popular”.

Ameaçar a vida de qualquer cidadão é crime previsto no código penal e dá cadeia. Mas no Brasil pode tudo, afinal o crime é até institucionalizado, perdoado e, grosso modo, premiado. Num ambiente como o nosso, um indivíduo apenas ameaçar não deve significar tanta coisa assim. Contudo, ler essa frase escrita em letras grandes e vermelhas todos os dias atemoriza: demonstra uma intenção muito radical.

Radicalismo e autoritarismo, aliás, emanam do lindo bordão “pelo poder popular” — um eufemismo para a instalação de um regime antidemocrático, como é o caso da Venezuela. Basta vermos os nomes dos ministérios daquele país: Ministerio del Poder Popular para la Salud; Ministério del Poder Popular de Educación; Ministerio del Poder Popular de Educación Universitaria, Ciencia y Tecnología; e por aí vai. O poder popular é uma falácia, porque o povo na Venezuela não tem, atualmente, poder nem sequer sobre a própria vida: faltam remédios, falta comida, enfim, falta o básico. Que poder popular é esse? Como sabemos, na Venezuela, inexiste. O nome pomposo ilude, mas como qualquer ilusão, não resulta em nada de valor, e com o tempo mostra-se como realmente é.

O impróprio “#foratemer” que testemunhei traz embutida a falácia de nossa democracia; na prática, estamos à beira do anarquismo, com muita, mas muita gente negando o princípio da autoridade pública.

Pudera! Na teoria, cabe à autoridade definir o que é de interesse público; na vida real, a autoridade define o seu interesse pessoal bem como os de seus correligionários e apoiadores, e os defende com unhas e dentes.

A pergunta é: quem nasceu primeiro? O ovo — políticos sem interesse em atender às necessidades populares e que exercem seus mandatos com base na propinocracia — ou a galinha — o povo que escolhe mal tais políticos? A resposta é facílima, tanto em biologia (é sempre o ovo que nasce primeiro) quanto em política. Ora, como o povo pode escolher bem os governantes, se as eleições são todas fraudadas, conforme demonstrado pela Lava-Jato e no didático parecer do Ministro Herman Benjamin, no julgamento da chapa Dilma-Temer? Como escolher bem os governantes, se os candidatos que se apresentam são definidos por oligarquias — partidos políticos —, com base em critérios pouco ou nada republicanos? Lamentavelmente, temos sido manipulados por todos esses anos.

É esse sistema político altamente permissivo, aliado à má índole daqueles que se apropriam do poder, que constroem uma sociedade que perde a noção de decoro e de respeito.  Hoje em dia, não é exagero dizer que no Brasil reinam a insensatez e a falta de noção. Nossa sociedade está demente, sem padrões éticos a que se apegar, sem moral para exigir o que precisa, sem noção de seu papel. Fomos — e ainda somos — joguetes, meros validadores do que já foi decidido.

Triste, péssimo, mas é a verdade real, parafraseando o Ministro Herman Benjamin.

Bom fim de semana procês!

Foto Blog d’O Globo, “Agora no Brasil”.

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