Virose

main-zika_0Tentaram fazer uma comemoração pelo impeachment da Dilma na Esplanada dos Ministérios. Fracasso. Embora uma parte considerável dos servidores públicos federais fosse a favor do impedimento, é perceptível que ninguém está contente em ter que fazer isso.

É como uma doença. O corpo tomado por um vírus exibe os sintomas:  fraqueza, cansaço, desânimo, dores, inchaço. O paciente toma remédios para alívio dos sintomas, mas ninguém comemora, apesar da diminuição do sofrimento. A cura, no entanto, depende unicamente do organismo, porque ainda não existem antivirais eficazes e o vírus deve completar seu ciclo — é o que ocorre com as viroses comuns. Alguns vírus, contudo, ficam latentes. O paciente parece curado, mas o vírus permanece inativo em seu organismo e, ao sinal de qualquer desatenção do sistema imune, ele se manifesta. É o caso do vírus dos herpesvírus, por exemplo.

O Brasil está gravemente doente. O “vírus” petista causou danos tais que o corpo levará um bom tempo para se recuperar completamente. E, pode-se afirmar, este é um vírus perigosíssimo, porque a enfermidade que causou foi sistêmica: afetou a economia, a educação, a saúde, a ciência e tecnologia, o comércio exterior, as relações internacionais, enfim, todos os órgãos estão com sérios problemas, e o estado geral de saúde do paciente está comprometido. O remédio teve que ser administrado emergencialmente, em dose única e cavalar.

O remédio forte e amargo prescrito constitucionalmente, e administrado de acordo com o protocolo, foi o impeachment. Os sintomas se abrandarão, ainda que demore, mas o vírus estará sempre latente, presente no organismo Brasil, por meio da militância que se emaranha na ideologia do discurso correto com palavras bonitas, mas que não têm reflexo nas ações e políticas implementadas ao longo de mais de 13 anos. O tratamento, pelo visto, será longo. Talvez demande transfusões de sangue, implantes, transplantes. O diagnóstico, embora conclusivo, não é capaz de prever todos os danos provocados pelo vírus mortal. A cada dia se descobre uma nova sequela.

Para piorar o quadro geral do paciente Brasil, o modo petista de governar obteve estrondoso êxito no quesito “dividir para dominar”: foi a principal estratégia viral para controlar o organismo hospedeiro por tanto tempo. O que vemos hoje é um país completamente repartido, onde as pessoas não têm capacidade para respeitar e conviver com o pensamento diverso e lançam ofensas gratuitas, tratam seus próprios amigos com grosseria e desrespeito e alguns recebem até ameaça de morte. Em nome de quê, afinal?

A sessão no Senado deixou muito claro, com o desmembramento entre o impeachment e a perda dos direitos políticos, que todo mundo é companheiro, que o que existe é uma ávida luta pelo poder. E todos querem ter o poder somente pelo poder, não para fazer algo pelo coletivo. Em tempos outros, os políticos eram realmente adversários, havia forte embate de ideias, as discussões sobre o país eram até acaloradas, mas com civilidade e respeito. E era impossível uma pessoa perder o cargo público por ser condenada por crime de responsabilidade (o que implica incapacidade de governar) e ser absolvida da pena, que é a perda dos direitos políticos. Isso é incongruente, indecoroso, indecente.

Com o Brasil tomado por um perigoso vírus e, por isso mesmo, muito doente, por consequência, nossa democracia está abalada. Por sorte, o sistema imunológico desse organismo ainda consegue protegê-lo, o que impediu a morte do paciente. Com as instituições funcionando e o texto constitucional sendo seguido com supervisão do STF, ainda que sob intenso ataque, nossa democracia vem garantindo o combate à mortífera virose.

Entramos agora na fase crônica da infecção viral. A fase aguda, quando os sintomas são fortes e as mazelas intensas, foi remediada. Agora é fazer o tratamento — que será tão duro e difícil quanto o remédio que interrompeu a fase aguda — para fortalecer o organismo e dar-lhe condições de combater o vírus ou, pelo menos, deixá-lo latente por décadas.

Bom fim de semana!

 

3 Responses

  1. ostiore disse:

    O q ta pegando agora, eh como quando o tapete dobra e nao deixa a porta fechar… irritante… foi a cafajestada do Calheiros e Lewandowski aos 45 do segundo tempo… a falta de reaçao do psdb e do dem q nao foram capazes de reagir na hora, pedir 15 minutos de recesso pra avaliar… isso deixou um gosto amargo na boca… num mundo online, democracia representativa com tantas casas parlamentares não faz mais sentido… to cum travo na língua Vânia!

    • Vania Gomes disse:

      Caetano, eu escrevi na crônica que são todos companheiros, mas eles demonstraram serem todos cúmplices de um mesmo esquema. É incoerente quem votou pelo impeachment votar pela manutenção dos direitos políticos da Dilma. Pode-se dizer que pediram desculpas. Realmente, trava a língua, porque a vontade é de dizer poucas e boas #@%&!*&#@!!!

  1. 09/04/2017

    […]  Há cerca de um ano, lamentávamos o impeachment de Dilma Roussef, ao mesmo tempo que reconhecíamos sua incontestável n…. Era como a amputação de um membro que, se não fosse feita, o corpo todo iria necrosar, e uma […]