Próximo capítulo

eduardo-cunhaEstou extasiada e emocionada com as Paralimpíadas, mas outro assunto está tirando momentaneamente o meu foco desse espetáculo. E qual não poderia ser, senão a iminente cassação de Eduardo Cunha?

Esse homem é um fenômeno. Do tipo que só acontece no Brasil. Do tipo catástrofe.

Seu ingresso na “carreira” política começou nas campanhas aos governos dos Estados de Minas Gerais (Eliseu Rezende, 1982) e Rio de Janeiro (Moreira Franco, 1986) e na campanha de Fernando Collor à presidência, quando atuou como tesoureiro no Rio. É que ele é economista de formação.

Cunha assumiu duas empresas estatais num período de nove anos (1991-2000), sendo exonerado de ambas por suspeita de corrupção. Na Telerj, o esquema estava ligado ao caso de PC Farias (tesoureiro-geral da campanha de Fernando Collor).

Elegeu-se deputado federal em 2002, 2006, 2010 e 2014. Em 2013, foi eleito líder do PMDB na Câmara dos Deputados, graças ao seu “poder” de atrasar ou acelerar votações, o que lhe garantiu apoio. Em 2015, foi eleito presidente da Câmara, em pé de guerra com o governo de Dilma Rousseff.

Lembremos que um dos motes de sua campanha à presidência da Câmara era que trabalharia para que seus colegas perdessem a vergonha de serem deputados, assunto que abordei na crônica “Sinto vergonha, logo existo”. Vamos combinar que não é nada bom termos deputados sem-vergonha. Seria melhor que eles tivessem, pelo menos, algum pejo do que fazem, pensam, manipulam. Infelizmente, a realidade é outra, e a falta de vergonha dos deputados nem é culpa de Cunha. Verdade seja dita, ele é culpado apenas de sua própria sem-vergonhice.

Reconheçamos: Eduardo Cunha é um gênio, que se vale da boa-fé de seus compatriotas, não apenas dos que votaram nele, mas também de seus “parceiros”. Um gênio do mal, digamos assim, com uma capacidade incrível de manipular as pessoas. Foi eleito um tanto de vezes, mantém uma empresa chamada “Jesus.com” e manipulava as votações na Câmara, tudo isso em benefício próprio e, em alguns casos, de sua família. Mais recentemente, tem tentado, desesperadamente, conseguir votos suficientes que impeçam a cassação de seu mandato. É um “trabalhador” incansável.

Tão incansável que afirma categoricamente que irá à sessão da Câmara que decidirá seu destino. Será que pensa em constranger seus pares? Será que pensa em uma virada sensacional aos 46 minutos do segundo tempo? Ao que parece, será sua última cartada, após todas as tentativas anteriores, incluindo um pedido de decisão do STF para anular o processo na Câmara. O que foi negado, pela óbvia razão da existência do princípio constitucional de que os poderes da República são independentes: o Judiciário não pode intervir em procedimentos do Legislativo, salvo para garantir o fiel cumprimento da Constituição Federal.

Manter o mandato é crucial para manter o foro privilegiado. Não nos esqueçamos de que ele solicitou foro privilegiado para sua mulher e sua filha. Com base em qual argumentação, não sei, mas é óbvio que é falha.

Estamos a poucas horas de ver mais um picareta perder o foro privilegiado, digo, o mandato eletivo, por corrupção. O STF, aliás, poderia, depois de terminada a apuração e o julgamento da quadrilha que destruiu a Petrobras, debruçar-se sobre questões conceituais relativas ao foro privilegiado. O instrumento foi completamente desvirtuado: sua inclusão na legislação foi motivada pela liberdade de expressão e de ação dos parlamentares e agentes governamentais do alto escalão, a fim de evitar prisões arbitrárias. Mas o que vemos hoje é o contrário: o foro privilegiado garante a liberdade criminosa de políticos sem-vergonha.

E enquanto sonhamos com uma pátria mais justa e menos aberrante, aguardemos o próximo capítulo dessa novela comprida protagonizada por Eduardo Cunha que, esperamos, terá o justo desfecho.

Bom fim de semana!